Retrocessos e Avanços na Separação Judicial
- Escritório Mello Patrão
- 7 de fev.
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O Código Civil de 2002, cuja vigência teve início em 11 de janeiro de 2003, trouxe inúmeras inovações, inclusive no Direito de Família. No entanto, ao mesmo tempo que encontramos muitos avanços, alguns aspectos representam flagrante retrocesso no que diz respeito à separação judicial.
Fazendo um retrospecto sobre o tema, cumpre relembrar o que dizia o Código Civil de 1916. Seu artigo 317 estabelecia cinco motivos, discriminados numerus clausus, que a lei julgava relevantes e que serviam para fundamentar o pedido do então denominado desquite litigioso. Os cinco motivos legais taxativos eram:
Adultério;
Sevícia;
Injúria;
Tentativa de morte;
Abandono do lar por dois anos consecutivos.
Os rigores sociais da época da elaboração do Código, nos idos de 1899, motivaram a previsão legal para embasar os pedidos de desquite litigioso. Esse processo exigia que a parte autora imputasse ao outro cônjuge a conduta ilícita praticada e que essa conduta fosse comprovada.
Essa exigência resultava na busca da comprovação da culpa exclusiva e específica do outro cônjuge, o que gerava acentuado acirramento nos conflitos, prolongando hostilidades ad aeternum e intensificando-as até às raias do inimaginável.
Com o abrandamento das exigências sociais, houve um aperfeiçoamento legislativo para possibilitar novos caminhos para a dissolução da sociedade conjugal.
Nessa esteira, a Lei 6.515, de 26/12/77, revogou expressamente o citado artigo do Código anterior e, ao mesmo tempo, inseriu o caput do artigo 5º, que determinava que a separação poderia ser pedida por um só dos cônjuges quando imputasse ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importasse em grave violação dos deveres do casamento e tornasse insuportável a vida em comum.
Esse dispositivo legal abrandou as causas de pedido de separação judicial (nova denominação para o então desquite litigioso), ao abandonar as causas específicas e inserir causas mais genéricas e abrangentes para o pedido, sem, contudo, abandonar a busca da comprovação da culpa.
O legislador sempre se preocupou com a culpa de um ou de ambos os cônjuges para justificar a dissolução da sociedade conjugal. A persecução da culpa no Direito de Família tinha um objetivo certo: punir o cônjuge infrator dos deveres recíprocos previstos em lei.
A punição ao cônjuge infrator era, sem dúvida, direcionada à mulher, visto que a perda da guarda dos filhos menores, do direito ao uso do sobrenome do marido e dos alimentos só a atingiam como regra geral. Por essa previsão legal, os maridos tinham maior interesse na comprovação da culpa da esposa, especialmente pela possibilidade de perda do nome de casada e dos alimentos.
As hipóteses de separação litigiosa previstas nos § 1º e 2º do artigo 5º da Lei 6.515/77 não dependiam da culpa, pois tratavam de separação de fato por mais de um ano e de grave doença mental, respectivamente.
A Volta da Culpa no Código Civil de 2002
O legislador de 2002 retrocedeu ao ressuscitar as causas específicas revogadas do Código Civil de 1916. O artigo 1.573 do novo Código Civil discrimina novamente todas essas causas, abrandadas pela Lei do Divórcio.
Mesmo com o abrandamento das causas no caput do artigo 1.572, o novo Código Civil manteve a possibilidade de um cônjuge perquirir a culpa do outro.
No entanto, não há mais razão para a punição legal da culpa, pois seus efeitos foram sabidamente minorados:
O cônjuge declarado culpado não perde mais o direito aos alimentos, que ficam limitados ao mínimo existencial, conforme artigo 1.694, § 2º;
O cônjuge culpado só perderá o direito ao sobrenome se houver requerimento expresso do cônjuge inocente, desde que não se enquadre nas exceções do artigo 1.578;
A guarda dos filhos menores não será influenciada pela culpa, conforme artigo 1.584, sendo atribuída ao genitor que revelar melhores condições para exercê-la.
Necessidade de Mais Avanços
Embora tenha havido avanços, o legislador não foi suficientemente progressista. O ideal seria permitir que um cônjuge, unilateralmente, pudesse requerer a dissolução da sociedade conjugal, sem necessidade de comprovação de culpa ou motivos específicos.
Dessa forma, bastaria a vontade unilateral de um cônjuge para fundamentar o pedido de separação, pois ninguém deve ser compelido a permanecer casado quando não existe mais a vontade de manter a união.
Embora o legislador tenha dado um passo importante ao permitir que o juiz aprecie pedidos baseados em outros fatos (artigo 1.573, parágrafo único), ainda não avançou o suficiente.
Para evitar transtornos, constrangimentos e desgastes recíprocos, seria necessário permitir que o pedido unilateral de separação se baseasse apenas na manifestação de vontade de um dos cônjuges.
Caso houvesse concordância do outro cônjuge, o feito se converteria em separação consensual. Quando não houvesse acordo, as questões relativas à guarda, visitação, alimentos e partilha de bens seriam tratadas em ações próprias.
Essa nova dinâmica evitaria desgastes e transtornos desnecessários, consolidando a evolução do Direito de Família no Brasil.
Autor: Rogerio Reis de Mello – Advogado, Titular do Escritório Mello & Patrão Advogados e Professor de Direito de Família da PUC-Rio.
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